sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fiel ao seu desejo


(foto/Stella Florence)

Ele nunca foi fiel e ela sempre soube. Ao arrumar as malas do marido para uma viagem qualquer, ela coloca camisinhas na mala: exatamente um pacote com não mais de três preservativos. Ela incentiva o cuidado num sexo fortuito, não a bandalheira de um caso fixo. Sim, até essa mulher tem seus limites.

Ele espera dela a fidelidade de cão cuja potência para perdoar é infinita e, em compensação (se é que existe uma), a cobre de mimos e carinhos. Já ela, apesar de saber e conviver com o vai-e-vem de casos desimportantes na vida do seu homem, insiste em não ir embora. Por quê?

Há algum tempo (quando eu era mais radical quanto ao que é certo e errado no jogo amoroso), eu julgaria o comportamento dessa mulher como sendo de uma submissão repugnante ou até consideraria haver algum jogo de interesses no seu casamento. Hoje, eu ousaria dizer que o motivo de ela continuar ao lado desse homem e de se manter fiel a ele (mesmo não tendo reciprocidade) é tão simples que passa despercebido: essa mulher deseja ser fiel. Eis tudo.

Ser fiel porque o outro é, ser fiel porque sua religião diz ser o certo ou porque não se quer violar alguma cláusula contratual é fazer barganha com valores fundamentais. Suponhamos que essa mulher dissesse ao marido: “Eu serei fiel desde que você seja também. Se eu descobrir que você me traiu, eu sairei com o primeiro que aparecer”. Nesse caso, o desejo dela, um desejo legítimo e natural de se relacionar apenas com seu homem, seria violentado. E violentado por ela mesma!

Perdi a conta das mulheres com quem conversei que me disseram terem traído o namorado ou o marido por vingança, não por desejo. Com uma delas tive a seguinte conversa:

– Eu não queria me sentir uma idiota, por isso dei o troco saindo com um colega de trabalho. Ele vivia dando em cima de mim e eu aproveitei para me vingar.

– E como foi transar com esse outro homem? Acabou sendo uma experiência boa?

– Não, eu me senti supermal! Fiz força para não chorar na hora, mas depois fui tomar banho e desabei. Foi horrível!

Fidelidade não pode ser uma negociação ou uma condição que existe desde que o outro também a cumpra. Fidelidade é uma opção pessoal e intransferível. Dói conviver com um desequilíbrio de intenções? Com um homem que você sabe que te trai? Muito! Doeria menos violar seu desejo para ficar no mesmo nível dele?

Essa mulher que coloca camisinhas na mala do marido me diz com um sorriso incrivelmente tranquilo: “Os sábados dele são meus, sempre meus, entende?”.

Entendo. Entendo e me calo. Eis uma mulher fiel ao seu desejo de ser fiel.

Por Stella Florence